O fardo da liderança tradicional
Um assunto recorrente quando falamos em adoção do agilismo é o grande obstáculo que a liderança tradicional impõe a essa mudança.
Ora, o agilismo pressupõe times autônomos, auto-organizados. Times que escutam e são sabatinados pelas lideranças, mas que têm enorme grau de liberdade para seguir caminhos próprios, muitas vezes não exatamente os caminhos indicados pelos “níveis superiores”.
Só assim saímos da teoria do “fail fast” para prática. Só assim os times terão, realmente, “skin in the game”, como gosta de dizer Nassim Taleb (já escrevi um texto mais aprofundado sobre isso, aqui).
Sumário
A arrogância inerente da liderança tradicional
Nesse momento muitos líderes tradicionais pensarão – realmente, tenho que aprender a “deixar os times errarem”, para que eles de fato possam andar sozinhos.
Vejam que existe, por trás desse pensamento que parece até nobre, uma arrogância embutida: a arrogância de que o líder sabe o que deveria ser feito mas, em um ato de nobreza, qual um pai que cria uma criança, deixará que ela leve alguns tombos para aprender a caminhar.
Essa arrogância é fruto de um modelo mental sobre qual é o papel do líder. Como Stanley McChrystal observa no livro “Teams of Teams”, o modelo de líder que temos em mente é o de um “mestre de xadrez”, o de um grande estrategista, que sabe todas as respostas. É muito bom ser esse tipo de líder, é muito bom ser a pessoa que sabe todas as respostas. É muito bom ser a pessoa que, em atos de nobreza, deixa os outros descobrirem as respostas.
Armadilhas de um modelo rígido
Esse modelo é de fato muito difícil de quebrar. Se eu sou o grande mestre, devo sempre deixar isso claro. E quanto mais claro deixo, mais as pessoas dependerão das minhas decisões. E quanto mais dependerem das minhas decisões, mais precisarei ser, de fato, o grande mestre. Em pensamento sistêmico essa é uma armadilha conhecida: “addiction” – nesse exemplo, um vício e uma dependência irrefreável das decisões do líder.
E, sinceramente, o líder tradicional se nutre desse vício de seus liderados. Pois é esse papel de protagonismo que define sua própria identidade e que garante a sua escalada na escada corporativa.
Voltamos então ao início desse texto: os líderes se tornam um dos principais obstáculos à adoção da agilidade, pois não tem nenhum incentivo para romperem a armadilha do vício e criarem times maduros – e não mais crianças cujos passos devem ser observados.
Mas, será que não tem incentivo mesmo?
O que mais se fala é que o mundo é VUCA, que o cliente está cada vez mais empoderado, que as empresas cada vez mais tem que fomentar experimentação. Não seria esse um incentivo, digamos, ambiental, suficiente?
Parece que não. Muitos líderes, quando encaram esses novos cenários, entendem que terão que ser mais grandiosos ainda, exercer ainda mais suas capacidades analíticas e de julgamento. Não conseguem, na verdade, escapar do modelo do grande estrategista.
Se o incentivo externo, o imperativo de mudança trazido pela era digital, não é suficiente para a liderança tradicional, o que seria?
Talvez seja algo interno que, na minha visão, tende a aflorar cada vez mais. E esse algo interno é o fardo que a liderança tradicional tem que carregar, fardo esse que tende a ficar cada vez maior na medida em que o mundo se torne mais complexo.
Pois se o líder tradicional certamente tem orgulho de seu protagonismo, não há dúvida que ele paga um preço caro isso. Ter que saber de tudo, ter que acompanhar tudo, ter que justificar tudo. É sem dúvida um preço muito alto, que pode se tornar impagável na medida em que se tenta controlar o incontrolável.
Dividir para conquistar
Uma compreensão da nova realidade de negócios e uma reflexão profunda sobre sua própria vida pessoal deveria fazer com que os líderes tradicionais enxergassem um novo caminho. Deveriam perceber que a escolha de carregar esse fardo é, antes de tudo, uma escolha deles mesmos. Mas, que isso pode ser mudado, esse fardo pode ser distribuído em múltiplos times, que jogam o mesmo jogo (nesse episódio de os agilistas, falamos muito sobre isso). Times maduros, responsáveis, que descobrem os caminhos por si só. Times de times, em uma geometria fractal (ainda falaremos mais sobre isso!)
Se os líderes forem capazes de fazer isso, eles não estarão passando fardos para esses times, mas sim propósito e desafio.
A grande questão é: por que não fazer isso?